Entressafra nutricional desafia criadores de abelhas no país
O zootecnista César de Souza, fundador da Vedera, destacou no programa Morada no Campo a importância das abelhas na polinização agrícola, a necessidade de suplementação na entressafra e o potencial econômico da apicultura e meliponicultura.

A criação de abelhas no Brasil, atividade que une tradição, sustentabilidade e geração de renda, vem enfrentando desafios estruturais e ao mesmo tempo oportunidades de crescimento. Em entrevista ao programa Morada no Campo, César de Souza, zootecnista e CEO da Vedera, relatou que o manejo adequado das colmeias, especialmente no período de entressafra nutricional, é fundamental para a sobrevivência dos enxames e para a manutenção da produtividade agrícola.
Segundo o especialista, a entressafra ocorre em todos os biomas do país e se caracteriza pela escassez de floradas. "No inverno do Rio Grande do Sul, por exemplo, as abelhas não voam abaixo de 16 graus, permanecendo isoladas dentro das colmeias. Sem alimento estocado, ocorre alto estresse imunológico e metabólico", explicou. Para mitigar esse impacto, a Vedera desenvolveu o Meleiro, suplemento composto por aminoácidos, leveduras, vitaminas e minerais essenciais. O produto pode ser fornecido tanto a abelhas com ferrão quanto sem ferrão, variando apenas a dosagem conforme o tamanho do enxame.
A suplementação, conforme detalhou César de Souza, é aplicada em alimentadores superiores ou centrais das colmeias e tem duração de até 25 dias por aplicação. “Nas abelhas sem ferrão, costuma-se utilizar uma tampinha PET com 10 gramas. Já nas colmeias com ferrão, a dosagem varia entre 150 e 250 gramas”, comentou.
Além da alimentação, o setor convive com questões climáticas que afetam diretamente a produtividade. O entrevistado relatou que as enchentes de 2024 destruíram aproximadamente 100 mil colmeias no Rio Grande do Sul, com impactos severos na fruticultura. “Na Serra Gaúcha, a produção de frutas caiu cerca de 70% porque as abelhas não conseguiram voar por 22 dias sem luminosidade solar, inviabilizando a polinização”, destacou.
Dados apresentados por César de Souza indicam que a presença das abelhas pode elevar a produtividade de diversas culturas. Na soja, por exemplo, o incremento médio é de 15%. Na maçã, a ausência de polinização adequada pode reduzir a produção em até 90%. “Para avaliar se a maçã foi bem polinizada, basta cortá-la ao meio e observar se há seis sementes no centro. Isso demonstra que houve fecundação completa”, exemplificou.
O Brasil concentra grande diversidade de abelhas sem ferrão, com cerca de 300 espécies catalogadas. Diferentemente da abelha com ferrão, que varia o sabor e a cor do mel conforme a florada, as espécies sem ferrão possuem méis com características próprias, o que amplia a valorização comercial. “O chef Henrique Fogaça, por exemplo, utiliza o mel da Jataí em seus pratos, devido ao sabor mais ácido e diferenciado”, relatou.
A apicultura também passou por importantes transformações históricas. No início do século XX, com a chegada das abelhas africanas e seu cruzamento com espécies europeias, surgiu a Apis mellifera africanizada, conhecida pela alta produtividade de mel — podendo ultrapassar 120 quilos por colmeia ao ano — mas com maior agressividade, exigindo manejo especializado.
O potencial econômico da atividade é significativo. “Ser criador de abelha dá dinheiro, sim. Mas exige dedicação, conhecimento técnico e planejamento”, afirmou César de Souza. O Brasil foi reconhecido em 2024 na Turquia, durante a Apimondia, ao conquistar o prêmio de melhor mel do mundo com o melato da bracatinga, produto tradicionalmente descartado no passado.
Por outro lado, há entraves na cadeia produtiva, principalmente relacionados à sucessão e à organização logística. Cerca de 60% dos apicultores brasileiros têm mais de 60 anos, enquanto apenas 15% estão abaixo dos 30. “É necessário estimular economicamente as novas gerações a permanecerem no campo e mostrar que é possível produzir mel sem ser dono da terra, firmando parcerias com agricultores”, defendeu.
O consumo interno também é baixo em comparação a outros mercados. Enquanto nos Estados Unidos a média anual por habitante chega a 850 gramas, no Brasil não ultrapassa 20 gramas. Para ampliar esse mercado, produtores apostam na segmentação por origem botânica e regional, processo conhecido como terroir. “O mercado americano já sinalizou que quer produtos identificados por florada e região, o que cria novas oportunidades”, completou.
O papel das abelhas na agricultura regenerativa foi outro ponto enfatizado. Além de polinizar culturas essenciais, como canola e café, elas contribuem para reduzir o uso de defensivos agrícolas e para a mitigação das emissões de carbono. “As abelhas são bioestimulantes naturais. Elas ajudam a diminuir em até 25% a emissão de CO2 nas lavouras”, ressaltou.
Ao final da entrevista, César convidou os ouvintes a participarem do Encontro Abelheiro, que ocorre em setembro, em Carazinho (RS), reunindo criadores, pesquisadores e empresas do setor. “As abelhas são um patrimônio cultural e econômico que precisa ser protegido e valorizado”, concluiu.
César de Souza, zootecnista e CEO da Vedera.
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