Rastreabilidade avança de exigência a vantagem na pecuária
O uso da rastreabilidade na pecuária brasileira evoluiu de obrigação regulatória para instrumento de gestão e diferencial competitivo, impulsionado pelas novas exigências internacionais, como o regulamento europeu EUDR.

A rastreabilidade individual do rebanho bovino deixou de ser vista unicamente como uma exigência normativa e passou a representar uma oportunidade estratégica para produtores rurais. Esse reposicionamento foi tema do primeiro Diálogo Inclusivo da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS), realizado em Brasília no dia 11 de junho de 2025. O evento, que reuniu produtores, representantes de entidades e especialistas, abordou os impactos e os caminhos de adequação ao Regulamento da União Europeia sobre produtos livres de desmatamento (EUDR), que começará a vigorar em dezembro de 2025 para grandes empresas e em junho de 2026 para micro e pequenos produtores.
Durante o encontro, Luiz Roberto Zillo, diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), relatou os efeitos práticos da implementação do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina (SISBOV) nas propriedades. “A rastreabilidade mudou totalmente a gestão da fazenda. Melhorou muito a percepção dos funcionários, o trabalho sanitário, colocou ordem nas coisas e trouxe a possibilidade de previsibilidade para dois, três anos à frente”, afirmou.
O coordenador do Grupo de Trabalho de Rastreabilidade da MBPS e vice-presidente da ABCAR, Aécio Flores, destacou que a certificação sanitária do Brasil como país livre de febre aftosa sem vacinação depende de sistemas de identificação robustos. Segundo ele, a rastreabilidade permite detectar focos de doenças com maior rapidez, mitigando riscos de bloqueios sanitários regionais. “A vigilância fica muito mais precisa e, consequentemente, mais eficaz na contenção de problemas sanitários que possam comprometer mercados”, explicou.
Representantes da MFG Agropecuária compartilharam experiências sobre o uso da rastreabilidade na rotina operacional e na valorização comercial. Maryele Rodrigues relatou que a tecnologia contribuiu de forma direta para a profissionalização dos processos internos. “Depois que você aprende a trabalhar com o que é bom e organizado, você quer isso para todas as áreas. A mudança de gestão é muito palpável, então, não deixe para a última hora”, comentou.
Além de melhorar a gestão e assegurar conformidade sanitária, o rastreamento individual passou a ser reconhecido como um diferencial financeiro. Renan Coleta, também da MFG Agropecuária, informou que a empresa remunera os produtores por arroba rastreada. “Desde 2009, pagamos premiação por arroba rastreada. Observamos que o produtor que rastreia entrega mais resultado”, relatou.
Com a entrada em vigor do EUDR, a rastreabilidade passa a ter importância decisiva no acesso ao mercado europeu. O regulamento determina que os exportadores comprovem que a produção é livre de desmatamento e associada a práticas sustentáveis. Para atender a essas exigências, será necessário fornecer informações detalhadas sobre a origem e o histórico de criação dos animais. A MBPS defende que esse processo, além de necessário, pode contribuir para o reposicionamento da pecuária brasileira como referência internacional em produção responsável.
Outro ponto enfatizado pelos participantes é que a rastreabilidade não é restrita a grandes propriedades. A adoção vem crescendo também entre pequenos e médios produtores, com o apoio de cooperativas, consultorias especializadas, plataformas digitais e serviços técnicos do Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). Para facilitar a implementação, diferentes modelos de rastreamento têm sido adaptados à realidade de cada região e ao nível tecnológico das fazendas.
A perspectiva de acesso a linhas de crédito com juros reduzidos foi outro fator apontado como indutor da rastreabilidade. Programas como o ABC+ e o PRONAF Verde contemplam propriedades que demonstram conformidade ambiental e rastreamento individual do rebanho, reforçando a correlação entre a sustentabilidade produtiva e a competitividade financeira.
Michele Borges, gerente-executiva da MBPS, observou que a rastreabilidade é parte de uma transformação mais ampla que atinge toda a cadeia pecuária. “Esse tema deixou de ser um custo adicional para se tornar uma condição estratégica de negócios e de reputação. Os consumidores, especialmente na Europa, exigem informações claras sobre o histórico do produto”, comentou.
Para dar escala ao processo, o Grupo de Trabalho de Rastreabilidade da MBPS planeja intensificar campanhas de orientação técnica e ampliar a articulação com entidades públicas e privadas. O objetivo é fomentar a integração dos diferentes sistemas de rastreamento e garantir a transparência das informações em toda a cadeia produtiva.
Os participantes do Diálogo Inclusivo ressaltaram que, embora a adaptação às novas normas represente desafios logísticos e financeiros, a rastreabilidade se consolidou como uma ferramenta essencial para fortalecer a imagem da pecuária brasileira e criar vantagens de mercado.
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