José Mário Schreiner: “O Brasil precisa levar o seguro rural a sério”
Vice-presidente da CNA destaca o protagonismo do milho e defende mais apoio ao produtor em seguro, crédito e logística.

Entrevista com José Mário Schreiner, vice-presidente da CNA: “Os anos que virão serão os anos do milho”
Brasília (DF): A produção de milho no Brasil tem ganhado relevância estratégica diante da crescente demanda da indústria de proteínas animais, da produção de etanol e da ampliação dos mercados internacionais. Em entrevista ao Agro e Prosa, o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner, analisou os desafios e oportunidades do setor, abordando também temas como infraestrutura logística, endividamento rural, seguro agrícola, taxas de juros e o papel do agro brasileiro nas discussões climáticas da COP 30. Segundo ele, o Brasil precisa enfrentar gargalos históricos para garantir o crescimento sustentável da agricultura.
Como é que o senhor avalia o atual cenário da produção de milho no Brasil diante da crescente demanda do setor de proteínas animais?
Eu não tenho dúvida de que o milho é a cultura, hoje, no Brasil, que desperta o maior interesse e a maior possibilidade de crescimento. Os anos que virão serão os anos do milho. Se temos, por um lado, algumas culturas que tendem a crescer de forma mais moderada, o milho, ao contrário, já mostra um crescimento mais acelerado, em função da multiplicidade de destinos que pode ter. Desde a produção de etanol — hoje, 27% da produção brasileira de etanol já vem do milho —, o que gera o DDG, utilizado na produção de ração, confinamento, enfim. Inclusive, o DDG já está sendo exportado. Vamos começar a exportar o DDG. Enxergamos nisso uma grande possibilidade.
Como os mercados lá fora enxergam o Brasil?
Cada vez mais o mercado mundial busca no Brasil seu abastecimento. Temos, por um lado, uma concentração muito forte de exportações para determinados países. Por outro, é evidente a necessidade de ampliar nossos mercados internacionais, e o Brasil precisa avançar nesse sentido. Ainda não somos exímios vendedores; os países é que vêm comprar da gente. Agora, com o avanço que já está ocorrendo por parte das nossas entidades, do próprio governo e da conscientização do setor, conseguiremos ampliar nossa atuação no mercado asiático, crescendo e diversificando nossas exportações.
Nesse contexto, como o senhor vê o mercado do milho?
O milho, sem dúvida, assim como a carne e a soja — mas principalmente o milho —, tem grande potencial de crescimento nos próximos anos. Temos, é claro, desafios importantes, que não se restringem ao milho, mas afetam outros produtos agropecuários também. Com resiliência e trabalho conjunto, conseguiremos superá-los.
Ainda temos grandes gargalos nos setores de logística e armazenamento. Como resolver isso no curto e médio prazo?
O problema é muito sério. A questão da armazenagem é crônica. Hoje, o Brasil tem capacidade para armazenar apenas 70% da sua produção agropecuária. Colhemos 100 milhões de toneladas e nossa capacidade é de 70 milhões. A FAO recomenda 130%. Estamos em descompasso com nossas necessidades e nossa realidade. Isso implica perda de renda e aumento, muitas vezes, dos custos de produção. Atualmente, utilizamos carretas como armazéns, o que encarece o frete e concentra a demanda na época da colheita. Isso representa perda econômica para o país.
Além disso, a logística também precisa avançar. Precisamos melhorar os modais ferroviário, hidroviário e rodoviário, especialmente nas regiões produtoras do Arco Norte. É extremamente importante fazer esse progresso, e não tenho dúvida de que superaremos esses desafios.
E a questão do endividamento dos produtores?
O produtor já vem enfrentando dificuldades há dois ou três anos. No caso do Rio Grande do Sul, são cinco anos sem colheitas satisfatórias, devido a problemas climáticos. O endividamento é enorme. O produtor está descapitalizado. Vai precisar de recursos para custeio, para comprar adubo, sementes, defensivos, para fazer sua plantação. Será uma equação muito difícil de resolver.
Mas estamos trabalhando. As propostas já foram apresentadas. A CNA apresentou sua proposta para o Plano Safra, apontando a necessidade de equalização dos juros e fortalecimento do seguro rural. Solicitamos R$ 4 bilhões para o seguro rural. Não podemos mais tratar essa questão como secundária.
É importante lembrar que, há quatro ou cinco anos, o seguro rural cobria 20% da área plantada no Brasil. Hoje cobre apenas 7%. Nos Estados Unidos, cobre 80%. No tripé da política agrícola — crédito, seguro e comercialização — o seguro é o mais importante. Com uma apólice firme, o produtor consegue acesso a crédito em qualquer instituição financeira. Não é mais o crédito urbano que precisa ser priorizado.
Ainda temos, no Brasil, o foco no crédito e esquecemos do seguro, que deveria ser prioritário. Nos EUA, são destinados US$ 8 bilhões por ano à subvenção do seguro rural — cerca de R$ 50 bilhões. No Brasil, trabalhamos com R$ 900 milhões. Não se trata de comparar os tesouros dos dois países, mas, ao considerarmos o tamanho do agronegócio brasileiro, é hora de todos refletirem seriamente sobre o seguro rural.
O produtor rural pode ir ao mercado e buscar dinheiro. O problema é a taxa de juros. Como lidar com isso?
É um desafio enorme. Trabalhamos com uma Selic próxima de 15% ao ano. E a taxa de juros está diretamente ligada ao risco. E onde está o seguro? Com uma apólice segura, haveria diluição do risco e, portanto, da taxa de juros.
Hoje, no mercado, é difícil encontrar crédito com menos de 1,5% ao mês — o que representa 18% a 20% ao ano. Para o setor agropecuário, isso é equivalente à agiotagem. Vivemos um momento delicado. O governo federal precisa ter consciência disso e alocar os recursos necessários, especialmente para pequenos e médios produtores.
Não significa que o grande produtor não precise de atenção, mas é fato que ele conta com outras alternativas: barter, recursos próprios, estrutura mais robusta. Já o pequeno produtor, via Pronaf, e o médio — que fica no “nem-nem”, nem no topo nem na base, no chamado purgatório —, esse precisa de atenção redobrada. Caso contrário, haverá uma safra menor ou o uso de menos tecnologia, menos fertilizante, o que impactará a produtividade.
Mas o governo tem onde buscar esse recurso?
Essa é a grande equação que precisamos resolver. Recentemente, vimos um rombo bilionário no INSS. O que o setor agropecuário pede hoje são R$ 25 bilhões para equalização dos juros e mais R$ 4 bilhões para o seguro rural.
É preciso que a área econômica do governo federal reflita com seriedade sobre isso. E as entidades — CNA, IPA, FPA — têm o dever de cobrar essa responsabilidade, porque é fundamental garantir uma produção agropecuária forte, especialmente com apoio aos pequenos produtores do país.
Temos uma COP 30 se aproximando, em que o agro parece não estar recebendo a atenção devida. Alguns segmentos do setor afirmam que esta pode ser a COP das ONGs. De que forma o agro deve participar da COP?
Tenho convicção de que o agro deve participar com força total. Não podemos permitir que se crie uma narrativa. Precisamos apresentar a nossa. Temos exemplos concretos para mostrar. Recentemente, tivemos o Prêmio CNA Brasil Artesanal, que premiou queijos, embutidos, mel e geleias produzidos de forma artesanal. E, por incrível que pareça, nas duas categorias de geleia — a mista e a pura — uma amazônida conquistou o segundo lugar em ambas.
São essas iniciativas que precisamos apresentar — tanto aos militantes nacionais quanto aos internacionais —, para que conheçam o modelo sustentável de produção praticado dentro da Amazônia. Não para que eles contem a nossa história com base em suposições, mas para que nós contemos nossa história real, com base no que de fato fazemos no dia a dia.
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