Crédito caro, seguro restrito e sustentabilidade limitada no Plano Safra
O Plano Safra 2025/2026, anunciado pelo governo federal, traz recursos recordes nominais, mas impõe juros mais altos, cortes nos subsídios ao crédito e restrições no seguro rural, além de avanços limitados em práticas sustentáveis.

O Plano Safra 2025/2026 foi lançado com volume financeiro inédito na série histórica, somando R$ 516,2 bilhões destinados à agricultura empresarial e outros R$ 89 bilhões à agricultura familiar. Apesar da cifra expressiva, especialistas apontam que o aumento de aproximadamente 1,5% em relação ao ciclo anterior não cobre a inflação acumulada desde a última safra, estimada entre 5,2% e 5,3%.
Carlos Cogo, consultor em agronegócio, destaca que o anúncio reflete um crescimento apenas nominal, com poder de compra reduzido. “Mesmo com todos os problemas, as taxas ainda são inferiores às do crédito de mercado, mas incompatíveis com a realidade produtiva do campo”, avaliou.
O impacto financeiro mais sensível ao produtor refere-se aos juros. As taxas para custeio subiram de 8% para 10% ao ano no caso de médios produtores, e chegam a 14% ao ano para os demais. Este patamar não tem precedentes no Plano Safra e reflete o contexto de Selic elevada, atualmente em torno de 15%. Para comparação, operações de Cédulas de Produto Rural (CPR) hoje são negociadas a taxas superiores a 20% ao ano. Na avaliação de analistas, o encarecimento do crédito deve pressionar margens já comprometidas pelo aumento dos custos de produção e pela retração dos preços das commodities agrícolas.
O corte nos subsídios também é relevante. O Tesouro Nacional destinará R$ 13,5 bilhões à equalização das taxas, valor 17,5% inferior ao ciclo anterior, quando R$ 16,4 bilhões foram alocados. A divisão interna desse montante reforça a restrição: enquanto a agricultura familiar terá R$ 9,56 bilhões, a agricultura empresarial contará com R$ 3,94 bilhões. O volume de recursos efetivamente controlados — aqueles com juros equalizados — soma R$ 113,8 bilhões, o equivalente a 22% do total anunciado.
Outro ponto de preocupação envolve o seguro rural. O orçamento previsto de R$ 1 bilhão sofreu redução significativa, resultando na liberação de apenas R$ 67 milhões — cerca de 6% do estimado. A decisão foi considerada uma quebra de expectativa por representantes do setor. Sem subsídios suficientes ao prêmio do seguro, parte considerável dos produtores pode ficar exposta ao risco climático e à volatilidade do mercado, aumentando a insegurança nas operações de custeio e investimento.
O Plano Safra trouxe ajustes pontuais no sentido da sustentabilidade. Uma das medidas prevê redução de 0,5 ponto percentual nas taxas de financiamento para produtores que comprovarem adoção de práticas como recuperação de pastagens degradadas, reflorestamento ou proteção de nascentes. Contudo, a exigência de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para acessar esse benefício limita seu alcance. De acordo com dados oficiais, menos de 1% dos cadastros concluíram todas as etapas de validação, cenário que dificulta a implementação ampla da medida.
O financiamento à armazenagem teve incremento, com ampliação do teto para projetos no Programa de Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), permitindo obras que comportem até 12 mil toneladas. Além disso, a renda máxima para enquadramento no Pronamp passou de R$ 3 milhões para R$ 3,5 milhões anuais. Estas alterações foram apontadas como avanços pontuais, mas insuficientes para compensar o quadro de crédito mais caro e de subsídios mais restritos.
O setor produtivo também manifesta preocupação com o impacto imediato do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) como requisito obrigatório para operações acima de R$ 200 mil. A obrigatoriedade pode comprometer contratações em regiões que ainda não atualizaram seus zoneamentos, gerando entraves operacionais e risco de judicialização.
A combinação de juros elevados, redução de subsídios ao crédito, fragilidade do orçamento do seguro rural e a dificuldade de acesso aos incentivos ambientais reforçam o diagnóstico de que o novo Plano Safra impõe mais desafios do que estímulos ao produtor. O cenário sinaliza que a manutenção da competitividade exigirá maior eficiência na gestão financeira, ampliação do planejamento agronômico e articulação setorial em busca de alternativas de mitigação de custos e riscos.
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